quarta-feira, 23 de outubro de 2013

“Independência ou morte!”


Enfim chegamos à Era da autonomia didática, onde tudo se aprende e tudo se ensina por meio qualquer que não seja o árduo esforço docente ou a calva ou esbranquiçada cabeleira de um responsável.
Tudo o que se aprende é previamente compartilhado, curtido ou indicado. Respostas para assuntos antes tão estudáveis hoje são facilmente pesquisáveis e entendíveis. Compreensíveis? Não, não é necessário, é perda de tempo para os (sub)gênios modernos.
As leis atuais de libertinagem (em contrainterpretação à liberdade) e de críticas sem fundamentos, também são “justas” sancionadas por essa geração de imediatos, de pessoas sem tempo para entenderem o que dizem ou para quem dizem. Tudo pode. Tudo é válido. Afinal, o direito de expressão foi conquistado, e qual é o desfrute do prêmio se não se puder, finalmente, falar, sem base nenhuma (isso não importa) o que se acha de quem ou do que se quer falar.
Analisar, interpretar, compreender? Pra quê? Gritar? Isso sim! Contra tudo e todos os que forem contrários ao que o grupo propor. Até que este se torne chato, ou que outro mais radical e maneiro se faça. Não é difícil trocar de grupo hoje em dia, afinal, não se fazem mais amigos com esforçantes abraços, afinidades ou afins, ou com o simples amor ao próximo. Não, isso é ultrapassado!
Pois é, é gente demais sabendo demais sobre coisas demais. Porém, mesmo com tantas verdades, justiça e conhecimento, baseados em “estou certo e ponto!” ou em “Eu vi no face ontem”, confesso que ainda tem coisas que me assustam nessa “geração know-how” de professores, juízes, analistas e sabiologistas autodidatas. Por exemplo, às vezes tenho receio em sair às ruas, vai que em uma dessas sou agredida, assaltada ou estuprada e a culpa seja minha e não do bandido? O melhor a se fazer talvez seja pedir uma pausa a ele e, em pose para a câmera, exigir-lhe um motivo, e, seja ele qual for e se a vida me for poupada, postar o vídeo em rede social e torcer para que o veredicto seja a meu favor. Caso não seja, posso postar uma foto minha, dizer que fui sequestrada e pedir que, se me encontrarem, devolvam-me para o passado mais próximo. Lá onde a luz no fim do túnel ainda era de esperança e não de um monitor ligado.

Lici Cruz


domingo, 13 de outubro de 2013

A Lici e o Espelho 5


Lici: Bom dia!
Espelho: Bom dia, minha linda!
— Espelho, você está bem?
— Estou ótimo! E você também parece estar muito bem...
— Espelho, eu não estou te reconhecendo. O que aconteceu? Por que essa gentileza toda?
— Nada, minha Deusa...
— Deusa?! Espelho, você bebeu Xampu? Enxaguante bucal? É o calor? Você jamais, em estado normal, iria me tratar bem assim...
— É que andei refletindo, sabe, e percebi o quanto gosto de você. Quando você acorda pela manhã com aquele seu cabelo “Lion King” e aqueles olhos inchados – às vezes só um aberto –, com aquela remelinha brilhante no cantinho. Quando você dá aquele seu lindo sorriso, tentando desgrudar os lábios, com aquela babinha alva e seca que se estende do canto da boca até o lóbulo da orelha. Pensei também no amarrotado da sua pele esculpido pelas dobras do lençol, e ainda naquela voz de locutor de rádio de notícias que, às vezes, me dá um certo medinho, mas logo vejo que é você mesmo. Gosto também quando você escova os dentes e me olha com aquela boca cheia de espuma, parecendo um cão raivoso, acho super engraçadinho... e quando você ergue os braços para arrumar o cabelo e vejo aquele tríceps de benzedeira balançando... me sinto abençoado... você me preenche, sabe... principalmente quando surge de corpo inteiro. Às vezes até me sinto pequeno diante de você...
— Você é um estúpido, Espelho! Um idiota-ignorante!
— Ei, volta aqui! Isso é o que dá querer agradar! Se sou realista, reclama. Se sou sensível e carinhoso, reclama. Nada está bom pra você e... Lici, espera! Calma! Vamos conversar! Onde você arrumou esse martelo?! Você nem tem martelo em casa!
— Aaaaaaaahhhhhhh!!!
— Aaaaaaaahhhhhhh!!!

Lici Cruz