segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A Quenga que morreu Santa



Quenga nem sempre teve esse nome. Foi concebida com nome de menina gente. O fato foi que cresceu e, quando chegou a hora de viver, foi batizada pela saliva daquela gente que gosta de falar.
Ela nunca entendeu como funcionava a “Cartilha da boa conduta”. Uns diziam que ela não devia comer carne, outros que não usasse roupas ousadas. Muitos recomendavam que não saísse de casa. Alguns pediam para que não respirasse.
Sobre tantos ensinamentos puritanos da “cartilha”, o que mais intrigava Quenga era que muitas pessoas não os cumpriam ou os burlavam, e sempre tinham “motivos” que justificavam isso.
Um dia, Quenga, sentada à beira de um colapso, começou a pensar na vida. Lembrou-se das pessoas que amou, das que ajudou, das que defendeu, das que ouviu, das que salvou, das que perdoou. Lembrou-se de quantas ofensas suportou, de quantas lágrimas engoliu para que outros pudessem sorrir e de quantos sorrisos evitou por achar que não podia.
Foi aí que Quenga percebeu que nunca tinha vivido para ela mesma e que se isso tivesse acontecido, não seria esse nome que escolheria.
Ela então voltou para casa, vestiu-se como gostava, comeu o que queria, ouviu sua música preferida no volume mais alto e dançou com o vento mais doce no cabelo.
No outro dia foi encontrada morta, com seu batom mais vermelho e seu sorriso mais lindo nos lábios. Nem uma marca no corpo, nem no sangue e nem na alma. Morreu porque a felicidade não coube em seu peito quando descobriu o quanto era bom se amar.

De todas as frases ditas após sua partida, houve uma que mais ecoou das bocas de ácidas salivas: “Ela era uma pessoa maravilhosa, tão jovem, tão linda, ainda tinha tanto pela frente, pena que não soube aproveitar a vida...”.

Lici Cruz

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