Quenga
nem sempre teve esse nome. Foi concebida com nome de menina gente. O fato foi
que cresceu e, quando chegou a hora de viver, foi batizada pela saliva daquela
gente que gosta de falar.
Ela
nunca entendeu como funcionava a “Cartilha da boa conduta”. Uns diziam que ela
não devia comer carne, outros que não usasse roupas ousadas. Muitos
recomendavam que não saísse de casa. Alguns pediam para que não respirasse.
Sobre
tantos ensinamentos puritanos da “cartilha”, o que mais intrigava Quenga era
que muitas pessoas não os cumpriam ou os burlavam, e sempre tinham “motivos”
que justificavam isso.
Um
dia, Quenga, sentada à beira de um colapso, começou a pensar na vida.
Lembrou-se das pessoas que amou, das que ajudou, das que defendeu, das que
ouviu, das que salvou, das que perdoou. Lembrou-se de quantas ofensas suportou,
de quantas lágrimas engoliu para que outros pudessem sorrir e de quantos
sorrisos evitou por achar que não podia.
Foi
aí que Quenga percebeu que nunca tinha vivido para ela mesma e que se isso
tivesse acontecido, não seria esse nome que escolheria.
Ela
então voltou para casa, vestiu-se como gostava, comeu o que queria, ouviu sua
música preferida no volume mais alto e dançou com o vento mais doce no cabelo.
No
outro dia foi encontrada morta, com seu batom mais vermelho e seu sorriso mais
lindo nos lábios. Nem uma marca no corpo, nem no sangue e nem na alma. Morreu
porque a felicidade não coube em seu peito quando descobriu o quanto era bom se
amar.
De
todas as frases ditas após sua partida, houve uma que mais ecoou das bocas de
ácidas salivas: “Ela era uma pessoa maravilhosa, tão jovem, tão linda, ainda
tinha tanto pela frente, pena que não soube aproveitar a vida...”.
Lici Cruz
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