sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eu quero ser pobre!



— EU QUERO SER POBRE! – esbravejou em trovoadas o vereador durante uma sessão na câmara – estou cansado de enriquecer-me com a “venda” de dentaduras. Deixo, agora, o meu cargo... quero lutar pela minha própria dentadura!
Com a repercussão do ato, sobre um palanque improvisado no centro da cidade, o prefeito faz uma solene declaração:
— Diante de tal fato, ocorrido na câmara de vereadores essa semana, declaro que: EU QUERO SER POBRE! Abrirei mão de todos os meus carros, fazendas e empresas, “conquistados” com o desvio de verbas do governo. Empenhar-me-ei, agora, em lutar para conquistar meu próprio pedaço de chão e trabalharei arduamente para dele tirar o meu sustento.
Luzes, câmeras, ação! Assunto de primeira página e chamada central dos principais jornais. Em casa, um deputado levanta-se de sua banheira de hidromassagem, dispensa suas “companheiras” e liga imediatamente para um de seus assessores:
— Contate os demais companheiros de partido, tenho algo importantíssimo a declarar...
Entre lagostas e Chardonnays franceses, o deputado tilinta sua taça e proclama em tom de “Oscar”:
— Companheiros... EU QUERO SER POBRE! – e prossegue, agora, com agudos eleitorais – Digo não ao dinheiro fácil! Digo não ao dinheiro “zelado” por cuecas, meias e afins. Renego minhas mansões, minhas empresas e contas no exterior. A partir deste momento, vou trabalhar duro para tirar do meu suor o elixir da minha sobrevivência!
— Vossa excelência, a presidente está na linha.
— Sim, excelentíssima... claro... sim, pode confiar, roubar não está com nada... sim a apoiarei com certeza...
Interrompemos nossa programação para um pronunciamento da excelentíssima senhora presidente da república:
— Meus caros... em solidariedade a vocês, que eu tanto estimo e admiro, solenemente, declaro que: EU QUERO SER POBRE! Fora o luxo! A partir de hoje só irei locomover-me a pé ou por meio de algum transporte coletivo, enfrentarei as temidas filas do SUS, abrirei mão de cada centavo “meu” ganho com o suor de vocês. Caros amigos e amigas, como prova da minha palavra e do meu desapego material, convoco todos vocês para nos reunirmos, neste domingo, em um evento único, jamais visto em todo o mundo, que entrará para a história do país, em que doarei ao “meu povo” tudo aquilo que ele me deu em impostos, taxas e juros. “Darei ao povo o que é do povo!”.
Eis que domingo chega. Brasília é minúscula para tanta gente. A multidão apreensiva avista a grande “seleção brasileira de novos humildes” em frente ao Palácio do Planalto. Câmeras focadas na rainha da colmeia. Eis que ela fala a seus operários:
— Como prometido aqui estou... e dentro desta pasta, que tenho em mãos, estão os direitos a todos os meus bens e de todos os meus amigos parlamentares que, em peso, aderiram a essa onda de gestos tão sublimes, humildes, solidários e humanitários. Diante disso, meus caros... diante deste ato de exorcismo da riqueza e luxúria, de exorcismo desse dinheiro sujo e desonesto, eu lhes pergunto... há no meio de vocês, trabalhadores incansáveis, alguém que aceite esses bens sórdidos, assim, de mão beijada?!
Uma mão se levanta. Cento e outras a acompanham. Em poucos segundos já são milhões. Parlamentares se entreolham e cabisbaixos, com gestos de negação e decepção, exclamam entre eles:
— É por isso que o país não progride... o povo é interesseiro, não quer trabalhar, só quer dinheiro fácil!
— Pois é... bando de filhos da puta!

Lici Cruz

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